terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Serra da Estrela

Era quinta-feira, no fim-de-semana iria celebrar-se a Páscoa e a família de Filipa tinha combinado um almoço no Museu do Pão em Seia, para sexta-feira. Não tinha muita vontade de ir, andava muito enjoada, alguém poderia aperceber-se, principalmente as suas astutas tias. Mas como já não estava com elas há quase um ano, iria fazer esse esforço.

Filipa aproveitou para fazer a viagem até Seia por uma zona onde já tinha passado férias e que adorava. Fez o percurso por Avô, Aldeia das Dez, Vide, S. Gião, S. Romão e depois só parou já no Museu do Pão. A viagem decorreu quase normal, não fossem os enjoos provocados pelas curvas. Foi tão bom passar por todos aqueles locais, adorava particularmente Avô, a sua piscina natural e Vide, a ponte de pedra.

Quando chegou ao Museu do Pão, quase toda a família já tinha chegado e estavam sentados em duas mesas. As tias chamaram-na logo para junto delas, olharam-na mas não comentaram nada de especial. O almoço decorreu com algumas gargalhadas, Filipa perdeu-se nas entradas, os ovos, os enchidos, os queijos, deliciou-se. Quando deram pelas horas já era tarde, mais um pouco e não conseguiriam ir até à Torre comprar o queijo e o presunto.

A caminho da Torre e ao passar o Sabugueiro, tinha ficado combinado parar no Sabugueiro para a tia Maria Antónia cumprimentar uns amigos de longa data que ali tinham um estabelecimento. Filipa iria aproveitar para ir a uma casa de banho, aquele estado de graça obrigava-a a ir à casa de banho com mais regularidade. De repente Filipa parou, era o carro de António que estava ali parado, o seu Toyota Prius Hybrid, de cor preta, e aquela era a matrícula dele. O que faria ali António, não se conseguia mexer, tinha bloqueado e o seu coração disparou.

Filipa desconhecia que António tinha ali uma casa de família. E António desconhecia que os seus tios eram amigos de longa data da tia de Filipa. António estava com o seu tio a provar um novo vinho que tinha acabado de chegar, quando sentiu um perfume que lhe era muito familiar, olhou para ver quem usava um perfume igual ao de Filipa, mas era a Filipa em pessoa. O que estaria ela ali a fazer. Decidiu ir ao seu encontro, ela tinha entrado na casa de banho, iria esperar que ela saísse.
 
 - António – conseguiu dizer.
 - Olá Filipa!
 - Vi um carro parecido ao teu lá fora, mas não imaginava que era teu – mentiu Filipa.
 - Sim é o meu carro.
 - Tudo bem contigo António? Como está a Margarida e o bebé?
 - Tudo bem comigo, sim. Obrigado. A Margarida sofreu um aborto espontâneo logo a seguir àquele fim-de-semana e entrou em depressão.
 - Lamento António – Filipa empalideceu.
 - Obrigado. E tu Filipa como estás? – notou que ela tinha perdido peso.
 - Sim, claro que está tudo bem – conseguiu sorrir.
 - O que fazes aqui?
 - Vim a um almoço com a minha família e ali a minha tia Maria Antónia é amiga de longa data dos proprietários deste estabelecimento.
 - Esses senhores são meus tios Filipa.
 - Não sabia que tinhas família aqui – Filipa estava mesmo surpreendida.
 - Sim, tenho. Ali a casa onde está o meu carro é minha.
 - És um privilegiado António, esta zona é muito bonita. Adoro aquele riacho que corre ali fora – e apontou.

Entretanto os familiares de Filipa começaram a sair e ela aproveitou para se despedir de António, deu-lhe dois beijos no rosto e o seu corpo estremeceu.

 - Até uma próxima António – virou-se e começou a andar muito rapidamente.
 - Filipa – António puxou-a pelo braço.
 - Sim.
 - Filipa, tenho saudades tuas.
 - António tenho mesmo que ir.
 - Podemos marcar um jantar?
 - Não em parece conveniente, a Margarida deve precisar muito do teu apoio neste momento.
 - Filipa eu depois telefono-te.

Filipa assentiu e desapareceu.

Depois

Inesperadamente Filipa reagiu de forma muito serena, manteve um longo silêncio e depois deu os parabéns a António.

 - António parabéns! Sei que vais ser um pai babado.
 - Obrigado Filipa.
 - Devias ir para o Porto, a Margarida deve estar ansiosa por sentir que a apoias incondicionalmente.
 - Filipa…
 - Vai António. Eu estou bem. Afinal somos amigos ou não?! A nossa amizade tem uma estrutura muito sólida.
 - Desculpa Filipa.
 - Não peças, nós não fizemos nenhum contrato. Foi muito bom enquanto durou – Filipa conseguiu sorrir.
 - Obrigado. Vou embora então.

António sentia o seu coração a bater descompassadamente. Como é que Filipa estava tão serena. Será que a iria ver em breve. Tanta pergunta por responder, mas não conseguia perguntar mais nada. E Margarida, como estaria.

Depois de António ir embora, os olhos de Filipa não conseguiram reter mais o mar de lágrimas que estavam prestes a desabar. Chorou convulsivamente enquanto segurava o seu ventre, existia uma pequena vida ali dentro e ela não teve coragem de a partilhar com António. Ele ainda gostava muito de Margarida, percebeu isso pela emoção com que ele lhe contou que ia ser pai.
 
Filipa estava muito triste, sentia dificuldade em respirar com normalidade, os seus olhos ardiam de tanto chorar, mas tinha que ultrapassar aquilo. Ia ser mãe, aquele bebé dependia dela, por ele devia sentir-se feliz e agradecia em silêncio por António lhe ter dado aquele presente. Ele iria fazer sempre parte da vida dela.

Já tinha passado um mês e Filipa nunca mais falou com António. Ele enviou-lhe um e-mail a pedir desculpa, a mencionar que ela era uma mulher excepcional, mas Filipa nunca respondeu ao e-mail. Sentia-se mais segura assim, precisava de se afastar para acalmar a dor que a consumia. Tinha-se apaixonado por António, pensava nele todos os dias, tinha saudades da voz dele, dos beijos, dos abraços, das palavras carinhosas que lhe deixava ao longo do dia. Sentia-se como que tendo caído duma grande bola de sabão, como se tivesse andado a flutuar e de repente se tivesse estatelado no chão. Não andava a comer bem, sabia disso e até a médica a tinha alertado para a perda de peso, tinha que se alimentar bem, por ela e pelo bebé. Já tinha uma gestação de quase 8 semanas.

Recentemente tinha decidido prestar serviço de voluntariado na Associação de Defesa de Animais em Alcobaça. Assim depois de sair da clínica de veterinária na Nazaré, ia até Alcobaça, mantinha-se sempre ocupada e só quando ia dormir chorava. Estava a adorar a experiência, tinham como importante missão ensinar às pessoas como tratar de um animal ferido ou doente, bem como os passos que se devem dar caso se encontre um abandonado. Tratavam sobretudo de cães e gatos feridos ou abandonados.

António estava a chegar ao aeroporto de Lisboa, vinha de Angola, tinha lá estado uma semana a dar formação na área de ambiente, para serem assegurados os planos de gestão ambiental, sendo que Angola ficará assim capacitada para os desafios que existem, não só nacionais como também os desafios com a sustentabilidade planetária. Sentia muitas saudades de Filipa, mas não tinha coragem de a contactar. Ela nunca lhe respondeu ao e-mail e não sabia como reagiria a um contacto mais directo dele.

Margarida tinha-se mudado para a sua casa em Lisboa, tinha sofrido um aborto espontâneo há cerca de três semanas e entrou em depressão. António tentava ajudar, saía com ela, levava-a ao cinema, ao Centro Comercial, onde ela dantes adorava passar horas, tinha disponibilizado dinheiro numa conta só para ela. Nada a animava, por isso estava a planear levá-la no fim-de-semana à Serra da Estrela à casa de família que lá mantinha.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O inesperado

As últimas semanas tinham sido passadas entre Lisboa e Nazaré. Estava quase a chegar a casa de Filipa, à semelhança de outros dias, hoje levava um ramo de 33 rosas brancas, sabia o quanto ela gostava de números com capícuas. Ansiava por a abraçar, por a beijar, por a amar, adormecer abraçado a ela.
  
Quando chegou, Filipa esperava-o com um sorriso luminoso, abraçou-o e beijou-o. Estava descalça, com um dos seus muitos leggins pretos, aqueles tinham um pequeno laço em cada perna, tinha um top cai-cai branco e o cabelo estava solto. O seu perfume era uma das coisas que a caracterizavam, assim como os brincos, umas pérolas brancas pendentes. Tão linda. Tão cândida. Tão perfeita para amar e como desejava amá-la.

 - Tinha saudades tuas - disse António.
- Eu também tinha muitas... assim muitas muitas - disse Filipa com um terno sorriso.
- Tenho um presente para ti.
- Um presente?! Tu mimas-me com tanto presente.
- Espera um minuto, vou ao carro buscar.
  
Quando António entregou o ramo das 33 rosas brancas a Filipa, os seus olhos ficaram húmidos.
  
- És tão atencioso. Rosas Brancas e tantas.
- Sim. Eu sei que esta é a tua cor. Espalha estas rosas pela casa.
- É para já my love - Filipa beijou-o e saiu à procura de jarras.
  
Filipa estava muito feliz, amava António como nunca tinha amado algum homem, sabia que aquela relação era uma relação sem compromissos, nunca tinham falado sobre esse assunto, mas sabia que António era assim, um empresário de Lisboa, sem planos para o futuro. Ele tinha-lhe dado a melhor dádiva da vida e queria muito partilha-la com ele, talvez ao jantar. Sabia que ele iria estar sempre que possível presente, mas sem obrigações, sem compromissos.
  
O telemóvel de António começou a tocar, era Margarida, a sua ex-esposa. Ficou surpreendido com o telefonema e atendeu.
  
- Sim, boa tarde Margarida! Tudo bem?
- Boa tarde António! Tudo, mais ou menos.
- O que se passa? - disse António preocupado.

 Quando António desligou o telemóvel, estava sem palavras, aquilo não lhe podia estar a acontecer, a Margarida estava grávida e ele ia ser pai. Mal se lembrava daquela noite. Numa das suas idas ao Porto foi jantar com Margarida, à semelhança do que acontecia normalmente. Mas naquela noite a Margarida estava triste, tinha terminado a relação que mantinha com o namorado há 3 anos. Chorou e bebeu um pouco mais que o normal, insistiu para que António entrasse quando a deixou em casa. E depois as coisas aconteceram, ela beijou-o, pediu-lhe para ele a amar como fazia nos tempos de faculdade, as coisas evoluiram e acabaram por fazer amor. No dia seguinte António pediu-lhe desculpa, por se ter deixado levar. Não a queria magoar. Desejava que ela ficasse bem e que em breve se apaixonasse.
  
Agora estava perante uma gravidez que não tinha sido desejada, aliás só se imaginava pai dos filhos de Filipa, sabia o quanto ela desejava ter gêmeas. Como é que ela iria reagir àquela notícia. Aqueles lindos olhos iam ficar inundados de tristeza e ela não o ia deixar protegê-la mais. Tinha de ir falar com ela.

Em casa

Naquela casa respirava um sossego que já andava distante, António sentia uma paz interior imensa. Tinha um quarto branco com uns apontamentos azul, azul do mar à sua espera. Toalhas de banho em algodão egípcio na casa de banho contígua, sabonete da Claus Porto, mais tulipas e velas brancas. Iria tomar um banho rápido e vestir uma roupa mais informal.

Filipa estava vestida com uns leggins pretos e uma túnica branca com um decote ousado, descalça, o cabelo estava preso num tótó, usava pérolas brancas nas orelhas e só tinha pensado em como lhe apetecia soltar o cabelo. Era simplesmente linda, uma das suas características principais eram os seus olhos, muito expressivos e tinham sempre um brilho muito especial, tinha cerca de um metro e setenta de altura, assim descalça era 10 centímetros mais baixa que António, desejava tê-la nos braços, protegê-la e beijá-la.
  
Já depois do jantar , bebiam o café na varanda. De fundo ouviam-se os grilos, o mar, o céu estava estrelado e a noite ligeiramente fria. Filipa foi buscar duas mantinhas de lã e deu uma a António. Depois de beberem o café, quase em silêncio Filipa perguntou a António se estava bem, se estava confortável, se precisava de mais alguma coisa. António disse que estava bem, que estava a desfrutar da serenidade da noite e disse:
  
- Obrigado Filipa! O jantar estava delicioso - até tu estás deliciosa, pensou.
- Ainda bem que gostaste - sorriu.
- Adoro esta tranquilidade, é gratificante depois de um dia de intenso trabalho, poder usufruir assim da natureza.
- Sim. É aqui que recupero as minhas energias.
- É aqui que me escreves?!
- Às vezes, sim. Porquê?
- Estava a imaginar a descrição que no outro dia me fizeste, ouvias o mar, os grilos... - sorriu tímidamente.
- Ah! Lembro-me sim. Foi aqui sentada que te escrevi isso.
- Obrigada por me teres convidado para este fim-de-semana aqui contigo.
- Hum... como contrapartida vais comigo ver o derby no próximo mês e tens que assitir comigo nas bancadas de sócios do Benfica - deu uma gargalhada.
- Estás a falar a sério?!
- Claro que sim. Porquê?
- E estás preparada para a derrota do Benfica?
- Isso não vai acontecer. Sabes porquê?
- Porquê?!
- Porque nunca vi um jogo na luz em que o Benfica tivesse perdido e não será agora - sorriu com os olhos a brilharem.
- Mas posso torcer pelo Sporting?
- Isso é contigo, na certeza de porém seres insultado pelos sócios que estarão sentados ao lado.
- Então vou contigo sim, mas tu compras os bilhetes.
- Já os tenho.
- E depois passas a noite lá em Lisboa? Podes ficar em minha casa, já fica tarde para regressares.
- No dia seguinte vou trabalhar, depois vê-se.
- Vais ficar muito zangada comigo com a vitória dos leões?
- Se por mero infeliz acaso isso acontecer, será melhor não falares muito para mim.
- Vou tentar - sorriu.
  
Estavam sentados um frente para o outro e no meio da conversa Filipa aproximou-se de António como desafio, ficava deslumbrante quando defendia uma causa e mesmo não gostando do Benfica, adorava aquela faceta dela. Tinha contacto com algumas mulheres, em algumas ocasiões jantava com uma ou outra e às vezes acabava por dormir com elas. Com Filipa tinha uma vontade crescente de a proteger, de a mimar, de a defender, de a beijar com toda a calma do mundo, saborear o momento, a ternura que ela emanava. Sabia que com ela não poderia ter um jantar casual, uma noite de vez em quando, ela era uma mulher que iria querer uma relação de longa duração e ele não tinha esse espaço na sua vida. Mas queria-a, cada vez mais.
  
Filipa estava enroscada na manta e perguntou-lhe se estava tudo bem:
  
- Tão pensativo... está tudo bem?
- Sim. Sabes que sou tímido, mas tenho uma vontade enorme de fazer isto - e puxou o rosto de Filipa, ficou colado ao rosto dela, quase a tocar-lhe os lábios, Filipa não disse nada, mas notava-se que ansiava tanto quanto António por aquele momento.
  
Beijaram-se, primeiro com doçura, e depois como uma necessidade, uma necessidade urgente, como se para respirarem precisassem dos beijos. Quando separaram os lábios, António não a largou, ficou com a testa colada na da Filipa e disse:
  
- Era nisto que pensava - e voltou a beijá-la.
- Podias ter dito - tentou brincar Filipa.
- Se eu tivesse dito por palavras, o que me respondias?
- Que se corresses atrás de mim, poderias tentar - e desatou a correr.
- Tu és muito doida - e correu atrás dela.
  
Quando a conseguiu alcançar, agarrou-a pela cintura e ficou a olhar para ela, a tentar memorizar cada pormenor do seu rosto, sabia que iria guardar com muito carinho todas aquelas doces recordações, queria pensar nela e lembrar-se do seu sorriso, dos seus olhos, dos seus lábios, do seu perfume que lembrava o aroma delicado do pó de talco com um toque de baunilha. Desta vez foi ela quem deu o primeiro passo, colou-se aos lábios de António, saboreou lentamente cada pedacinho dos lábios, como que a pedir permissão para entrar, brincou com a língua de António, quando sentiu a exigência do beijo de Filipa, apercebeu-se que ela se agarrava aos seus braços com receio de que ele a fosse largar a qualquer momento. Afastou-se um pouco e sossegou-a, dizendo que era ali que queria estar e que não iria embora.
  
No dia seguinte acordou sozinho, sentiu um vazio, onde estaria Filipa. Estaria zangada ou desiludida com ele. Levantou-se e quando a ia procurar ela vinha já ao seu encontro, parecia uma fada, descalça, o cabelo solto, uma túnica branca quase transparente. Aproximou-se de António, disse um bom dia num tom de voz rouco e beijou-lhe a ponta do nariz.
 
- Vinha-te acordar - e sorriu.
- Hummm... cheira a café - e devolveu um sorriso.
- Sim, vem comigo - puxou-o pela mão.
- Deixaste-me sozinho na cama.
- Desculpa, mas queria preparar-te um pequeno almoço delicioso - puxou uma cadeira da varanda para ele se sentar.
- Nada disso, eu sou um cavalheiro - e puxou a cadeira de Filipa. - Senta-te.
- Ainda me habituas mal - brincou.
- Mereces tudo, minha fada branca.
- Fada branca? - perguntou.
- Sim... a cor com que te defino é o branco, como o silêncio, o sossego, dás-me muita tranquilidade... Excepto quando me beijas - piscou-lhe o olho.
- Que bom! - sorriu corada.

Sexta-feira

Era sexta-feira, Filipa queria ir ao mercado comprar amêijoas frescas do Algarve para preparar para o jantar. António iria passar o fim-de-semana com ela e estava ansiosa pelo fim do dia, pelo momento em que iria ver os seus olhos, ouvir a seu sorriso. Tantos planos para aquele fim-de-semana.

Queria preparar uma mesa bonita, uma mesa muito clean, uma mesa branca com flores brancas, rosas ou tulipas brancas, pratos brancos. Onde contrastaria com a cor da comida, as ameijôas, o vinho nos copos, o pão escuro no cesto branco. A música de fundo seria um som melodioso e harmonioso, talvez The XX, começaria por “Intro”. Faltavam as velas, queria muitas velas, também velas brancas e em tamanhos diferentes.
 
Saber que António não iria ficar indiferente ao ambiente que Filipa tinha criado com tanta dedicação, era muito bom, via-o na sua vida, como algo muito simples, muito branco, muito declarativo, com eles as horas passavam sem se dar por isso, a conversa fluía, adorava quando António ficava corado, quando ele sentia o olhar atento e insistente de Filipa, o seu rosto adquiria um tom mais rosado, ficava lindo.
 
Também já tinha preparado o quarto, ele ficaria no quarto azul e branco, lençóis de algodão brancos, colcha branca, uma mantinha azul e muitas almofadas azuis, desejava que tivesse uma noite de um sono muito tranquilo. António trabalhava imenso, queria que ele tivesse um fim-de-semana de descanso, daqueles que sabem a mini-férias.

No dia seguinte iriam conhecer a linda Nazaré de bicicleta, um passeio demorado junto do mar. Provavelmente compraria peixe acabado de pescar aos pescadores e seria o almoço. À tarde poderiam usufruir do jardim nas espreguiçadeiras e à noite sairiam para conhecer o ambiente nocturno da zona da Praia da Vieira.

Domingo seria um dia livre, para António dormir mais um pouco, sem horários, sem planos. A melhor recompensa de Filipa seria um sorriso espontâneo de António, um sorriso que tacitamente indicasse um “Obrigado por este lindo fim-de-semana”.

Em Fátima

Era o primeiro sábado de primavera daquele ano, estava um sol radiante. A tarde perfeita para estar ali no meio daquelas pessoas, Filipa ajustava a sua máquina fotográfica e ia tirando fotografias aos rostos mais expressivos. Adorava aquela paz que conseguia respirar naquele local. Quando se sentia mais triste, ia ao Santuário de Fátima, sentava-se na escadaria e chorava em silêncio. Observava com muito atenção o que a rodeava, conseguia ver esperança e fé nos olhos das pessoas que como ela ali procuravam a tranquilidade do espírito.
Filipa tentava também encontrar no meio daquelas pessoas um rosto especial, o rosto de António. Tinha esperança de que ele tivesse lido o seu e-mail e que num acto de coragem tivesse rumado até Fátima.

Aquele homem intrigante conseguia tirar Filipa do sério, umas vezes irritava-a e outras vezes era o homem mais doce que alguma vez conhecera. Queria muito saber quem era António e porque tinha aquele efeito nela. Sabia que aquele era o local perfeito para o conhecer, ele também gostava de ali estar, de sentir aquela paz, aquele silêncio.

António sempre tinha morado na capital, era um brilhante gestor, geria a sua própria empresa, uma empresa na área do ambiente, que criou e viu crescer, até criar raízes sólidas no difícil mercado português. Nem sempre tinha sido fácil, à conta disso tinha-se afastado um pouco da família, o tempo era sempre pouco, entre viagens pela Europa, reuniões pelo país, pouco sobrava. Tinha idealizado que aos 40 anos já teria a empresa no ranking nacional, já teria pelo menos três filhos. Profissionalmente atingiu o objectivo, mas em termos de ver crescer a sua família, aconteceu o contrário. Margarida a sua esposa cansou-se dos dias de solidão que passou a viver, raramente via António, coabitavam na mesma moradia, conseguiam jantar juntos ao Domingo. Quando surgiu uma oportunidade de trabalho noutra cidade, não hesitou, precisava de se afastar de António, para ele perceber que ela não estava sempre ali. Mas os meses foram passando e António cada vez se afastou mais, a verdade era muito transparente, eram grandes amigos, mas os sentimentos que os uniram em matrimónio já não eram os mesmos. O divórcio foi o caminho mais correcto. Sempre que António ia ao norte, visitava Margarida, sentia um carinho muito especial por ela, mas já não era a sua paixão dos tempos de faculdade.
Num Sábado de solidão ao verificar os seus e-mails foi parar a um site de encontros virtuais, um site para falar com pessoas que como ele não tinham espaço para uma vida social activa. Nesse dia encontrou o perfil de Filipa, 33 anos, veterinária e que morava junto da Praia da Nazaré. Foi fácil falar com aquela mulher, simpática, discurso fluído e à sua semelhança estava sozinha num sábado à noite, pelo que tinha decidido entrar também naquele site. Tinham alguns interesses em comum e até já há muito tempo que não se sentia assim tão bem disposto. A verdade é que gostava de saber que outra pessoa partilhava os seus ideais, as suas ambições. A maior ambição de Filipa era ser mãe de gémeos, queria gémeos… António nunca tinha pensado nisso, mas sabia que exista a grande possibilidade de um dia quando fosse pai, fosse pai de gémeos. Na sua família há muitas gerações que era assim, o seu pai tinha um irmão gémeo, o seu avô paterno tinha um irmão gémeo, o seu bisavô também tinha um irmão gémeo… até pelo menos quatro gerações atrás eram assim. António já não se lembrava da vontade que tinha de ser pai. Aquela mulher tinha ressuscitado parte dos seus planos do passado.

Naquele Sábado António acordou e apercebeu-se que mal conseguia engolir a sua saliva, o ar condicionado do dia anterior na reunião que teve em Évora deixou-o debilitado e era visível que estava na companhia de uma constipação. O seu blackBerry deu sinal de e-mail novo, Filipa estava a enviar-lhe o seu usual “Bom dia” e a propor uma visita ao Santuário de Fátima, estaria lá a sua espera. Até parecia que tinha escolhido o dia, logo aquele dia, em que se sentia doente, uma sensação estranha, porque nunca adoecia.