quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Em Fátima

Era o primeiro sábado de primavera daquele ano, estava um sol radiante. A tarde perfeita para estar ali no meio daquelas pessoas, Filipa ajustava a sua máquina fotográfica e ia tirando fotografias aos rostos mais expressivos. Adorava aquela paz que conseguia respirar naquele local. Quando se sentia mais triste, ia ao Santuário de Fátima, sentava-se na escadaria e chorava em silêncio. Observava com muito atenção o que a rodeava, conseguia ver esperança e fé nos olhos das pessoas que como ela ali procuravam a tranquilidade do espírito.
Filipa tentava também encontrar no meio daquelas pessoas um rosto especial, o rosto de António. Tinha esperança de que ele tivesse lido o seu e-mail e que num acto de coragem tivesse rumado até Fátima.

Aquele homem intrigante conseguia tirar Filipa do sério, umas vezes irritava-a e outras vezes era o homem mais doce que alguma vez conhecera. Queria muito saber quem era António e porque tinha aquele efeito nela. Sabia que aquele era o local perfeito para o conhecer, ele também gostava de ali estar, de sentir aquela paz, aquele silêncio.

António sempre tinha morado na capital, era um brilhante gestor, geria a sua própria empresa, uma empresa na área do ambiente, que criou e viu crescer, até criar raízes sólidas no difícil mercado português. Nem sempre tinha sido fácil, à conta disso tinha-se afastado um pouco da família, o tempo era sempre pouco, entre viagens pela Europa, reuniões pelo país, pouco sobrava. Tinha idealizado que aos 40 anos já teria a empresa no ranking nacional, já teria pelo menos três filhos. Profissionalmente atingiu o objectivo, mas em termos de ver crescer a sua família, aconteceu o contrário. Margarida a sua esposa cansou-se dos dias de solidão que passou a viver, raramente via António, coabitavam na mesma moradia, conseguiam jantar juntos ao Domingo. Quando surgiu uma oportunidade de trabalho noutra cidade, não hesitou, precisava de se afastar de António, para ele perceber que ela não estava sempre ali. Mas os meses foram passando e António cada vez se afastou mais, a verdade era muito transparente, eram grandes amigos, mas os sentimentos que os uniram em matrimónio já não eram os mesmos. O divórcio foi o caminho mais correcto. Sempre que António ia ao norte, visitava Margarida, sentia um carinho muito especial por ela, mas já não era a sua paixão dos tempos de faculdade.
Num Sábado de solidão ao verificar os seus e-mails foi parar a um site de encontros virtuais, um site para falar com pessoas que como ele não tinham espaço para uma vida social activa. Nesse dia encontrou o perfil de Filipa, 33 anos, veterinária e que morava junto da Praia da Nazaré. Foi fácil falar com aquela mulher, simpática, discurso fluído e à sua semelhança estava sozinha num sábado à noite, pelo que tinha decidido entrar também naquele site. Tinham alguns interesses em comum e até já há muito tempo que não se sentia assim tão bem disposto. A verdade é que gostava de saber que outra pessoa partilhava os seus ideais, as suas ambições. A maior ambição de Filipa era ser mãe de gémeos, queria gémeos… António nunca tinha pensado nisso, mas sabia que exista a grande possibilidade de um dia quando fosse pai, fosse pai de gémeos. Na sua família há muitas gerações que era assim, o seu pai tinha um irmão gémeo, o seu avô paterno tinha um irmão gémeo, o seu bisavô também tinha um irmão gémeo… até pelo menos quatro gerações atrás eram assim. António já não se lembrava da vontade que tinha de ser pai. Aquela mulher tinha ressuscitado parte dos seus planos do passado.

Naquele Sábado António acordou e apercebeu-se que mal conseguia engolir a sua saliva, o ar condicionado do dia anterior na reunião que teve em Évora deixou-o debilitado e era visível que estava na companhia de uma constipação. O seu blackBerry deu sinal de e-mail novo, Filipa estava a enviar-lhe o seu usual “Bom dia” e a propor uma visita ao Santuário de Fátima, estaria lá a sua espera. Até parecia que tinha escolhido o dia, logo aquele dia, em que se sentia doente, uma sensação estranha, porque nunca adoecia.

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